Saavedra Valentim

Manifestações da alma

Textos


CHAMEM A POLÍCIA, NOS ROUBARAM DE NÓS!
 
 
     A vida voa nas asas do tempo e é mais rápida do que conseguimos vivê-la, pois estamos sempre perseguindo as coisas que não realizamos.
     Dedicamos a maior parte de nossa vida subjugada ao trabalho, a adquirir bens, a realizar os sonhos alheios, que nos descuidamos dos nossos próprios sonhos. Cuidamos dos outros e nos esquecemos de nós mesmos.
     Um dia, quando desaceleramos as nossas atividades, então  nos damos conta de que existimos. Buscamos à nossa volta as pessoas cujas imagens ficaram registradas em nossa mente e percebemos que nos encontramos rodeados de estranhos. Numa madrugada qualquer, acordamos, olhamos para o lado e buscamos a nossa mulher para abraçá-la, dormirmos agarradinhos, como fazíamos no passado lá na lua de mel e levamos um tremendo susto ao descobrirmos a possibilidade de termos deitado em cama errada. Acordamos e verificamos incrédulos que, por engano, estamos dormindo com a avó de alguém. Mas estranhamente ela abre os olhos, vira para nós e nos diz com desprezo para deixá-la dormir em paz. Ai a dúvida invade a nossa mente e não sabemos mais quem somos. Onde anda aquela mulher linda de vestido branco, véu e grinalda com quem trocamos alianças e juras eternas? Ela já não está lá! Não é a mesma, essa que vemos é uma senhora envelhecida, dolorida, curvada, mas sem as curvas que tanto atiçavam o nosso desejo, onde deslizavam as nossas mãos. Não tem mais aquela pele aveludada, aquele corpo onde nos perdíamos, as mãos macias que nos acariciavam. Tudo isso desapareceu como um passe de mágica!
     Onde andam as nossas crianças que disputavam o nosso colo, que choravam para dormir em nossa cama, que abriam seus bracinhos em busca de conforto, de carinho? Cresceram, ganharam o mundo, fizeram suas escolhas. Não os conhecemos mais! Já não nos confidenciam as suas experiências, não nos cobram mais a nossa presença em suas vidas, até nos rechaçam, buscam se distanciarem. Sentimo-nos desamparados. Realizaram os seus sonhos, houve conquistas, não chegaram a lugar nenhum? Não importa se estiverem felizes, com saúde.
     Num ato de desespero, buscamos no espelho uma explicação para tudo isso e nos deparamos com outro ser refletido ali, como se fosse a foto de nossos pais, de nossos avós. Ficamos assustamos quando percebemos os sulcos profundos no rosto daquele senhor e nos perguntamos se um dia ficaremos assim: pregas no entorno dos olhos, as orelhas crescidas, papas no pescoço, depressão nos cantos da boca, cabelos em neve, essas marcas do tempo!
     Para onde nós fomos, onde está aquele jovem cheio de vida, ansioso por desafios, a jorrar disposição, cheio de sonhos?  Não há respostas.  Do outro lado há uma imagem muda, acusadora, fazendo mímica como se estivesse nos dublando e nos dissesse "eu sou você, duvida?" Onde estivemos todo esse tempo?  Distraímos só um pouquinho e não sabemos mais de nós. Ficamos perdidos em alguma esquina do tempo, bem lá trás, talvez quando da última vez em que nos miramos verdadeiramente no espelho.  Então, com certeza, não estava lá esse senhor que quer assumir a nossa identidade. Um perfeito estranho, um usurpador de imagem. Nunca o vimos e já quer parecer tão íntimo.
     Roubaram-nos! Nós nos queremos de volta! Um crime perfeito, sem corpo, nem vestígios! Chamem quem quer que possa solucionar este caso intrincado, cheio de meandros, paranoico, sem solução à primeira vista. Que seja a polícia, o FBI, ou a CIA, não importa, mas solucionem este crime infame!
     Devemos anunciar aos quatro ventos o nosso desaparecimento. Somos altos, medianos, baixos, magros, meio magros, gordos até; cabelos castanhos, negros, loiros, encaracolados, ou calvos. Lindos, nem tanto assim, talvez um pouco bonito, bonitinho, longe de ser um galã, mas somos joviais, temos disposição para o trabalho, com sonhos de constituir uma família, não aquele velho caquético que se apropriou de nossa imagem.
     Se alguém nos vir por ai, com uma linda mulher  vestida de branco, véu e grinalda, ou mesmo com algumas crianças no colo, podem nos contatar pelo telefone 0000-0000, que será bem recompensado.  
     O tempo é cruel, voraz, devora a nossa juventude, maltrata o nosso corpo, retira as nossas forças, anula nossos sonhos. É o castigo por insistirmos em continuar vivendo, pois acredito que Deus precisa de espaço neste mundo para novas criações e nos pune para implorarmos que nos leve.
     Enfim, vocês devem estar se perguntando, qual o sentido disso tudo que esse idiota escreveu? Qual a moral disto tudo?
     Aqui vai um conselho: Viva o agora, agora! O amanhã não existe ainda, o ontem já se foi, o daqui a pouco poderá ser apenas um sonho. Não devemos nos contentar com sonhos, temos de realizá-los, vivê-los, pois só assim nos sentiremos vivos e vividos.


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Imagem: Google

Música: Como vai você? De Roberto Carlos e Erasmo Carlos, por Richard Clayderman
Saavedra Valentim
Enviado por Saavedra Valentim em 16/02/2013
Alterado em 16/03/2015
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