Saavedra Valentim

Manifestações da alma

Textos


UM SER NOTURNO
 
Gosto de sentir a noite! Cultivar os seus mistérios.
Sou um ser da noite, tal os morcegos, as corujas... Ah e a lua?!
Compartilho com os seres noturnais suas preferências, suas companhias,
Seus amores, seus dissabores, jorros das lágrimas, de alegrias e de dores.
Dizem alguns, que para viver na noite tem de se ter luz própria.
Talvez um pirilampo, que, como as estrelas, cintilam seu esplendor,
Criando um céu único e nos trazendo a magia do seu brilho,
Que os torna ímpares, seres místicos, que nos envolvem e seduzem.
São as borboletas noturnas, em busca da rosa negra,
Espécie única para eles criada, cultivada no jardim do pecado.
 
Todos que brilham, cedo ou tarde, atraem os predadores,
Que povoam todas as noites, em todos os lugares, hienas!
Devoram sua carne, sugam o seu sangue e aniquilam a alma.
Ah, se as pessoas entendessem a noite, a respeitassem,
Iriam saber quão triste é o amanhecer, o nascer do dia.
 
O dormir é um tormento que invejo, mas repugno.
O meu corpo dormita, busca repouso numa morte temporária,
Já que a minha alma permanece sempre viva pela longa noite.
Na eternidade das noites, é que deixo minhas marcas na vida.
A nossa cumplicidade beira a monotonia de um casamento,
Quando busco nas trevas a luz da inspiração e sou negado.
Vago pelos caminhos obscuros das letras dos meus escritos,
Tiradas das inspirações ocultas na minha aura fumegante.
 
A morte rondante, impiedosa, costuma agir à noite, ceifando almas,
Destinando a carcaça ao pó, máquina enferrujada, desgaste da vida.
A noite, entretanto, é a mãe de todas as criaturas: as desviadas,
De almas confusas, presas ao crime, submissas ao mal, encerradas no vício.
Mas também abriga inspirados seres, que derramam seus queixumes,
Exalam seus amores, seus desamores, encontros e desencontros,
Em versos primorosos, ou nem tanto, medíocres até, mas jorram da alma.
 
Envergonho-me das minhas fraquezas, das minhas impurezas,
Das minhas solidões a dois, a três, a mil, castigo que aos insones se impõem.
Tristeza profunda esmaga o meu peito, comprime meu coração,
Infartado pelo bloqueio das palavras que não vêm.
A morte anda me rondando, mas não a temo, desde que seja breve,
Leve, sem dores nem sofrimento, pois assim será um alento.
 
O que me amedronta não é a morte, mas a própria vida,
Um nascer e um morrer diários, cujo sentido não decifrei ainda.
Os corvos agoureiros grasnam nas árvores próximas,
Farejando putrefatos corpos, mesmo antes da sua consumação.
Carniceiros, seres demoníacos, a serviço dela, a ceifadora.
 
Exponho minh’ alma, declaro minhas paixões, minhas ilusões,
Apiede deste ser, que vive uma busca incessante do amor sem dor.
Mas ela é uma adversária intransigente, impiedosa, compulsiva,
Não negocia, nem se corrompe, cumpridora dos seus deveres!
 
Amigos, já não os tenho. Se foram mundo afora, noite adentro.
Mulheres? Muitas entraram e passaram na minha vida.
São como o ar que respiro, inspiro, expiro para viver,
Até saber que começa a nos matar desde o nascer.
Pura traição! É o melhor desempenho delas.
Com todos os pesares, as guardei bem aqui dentro,
Uma a uma, sem distinção.
O sol já vai nascer, o ser noturno se recolhe
Até o próximo anoitecer.




Imagem google
Música: Lazy afternoom com Richard Clayderman.
Autores Harris e Ryden

 
Saavedra Valentim
Enviado por Saavedra Valentim em 27/03/2012
Alterado em 11/09/2020
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